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quinta-feira, dezembro 25, 2014

A CIDADE QUE ME EDUCOU

Quando eu era criança, aos dois anos de idade, nossa família saiu de Araguacema, então pertencente a Goiás, no Norte do Estado, e mudou-se para Iporá, no Sul do mesmo Estado. Ali criei-me e eduquei-me, somente saindo aos dezesseis anos, quando passei a morar em Belém do Pará, onde cursei o ensino médio e o superior.
cidade me educou, na família, na igreja, nas suas ruas, nas chácaras da redondeza, no seu estilo de vida que guardava alguns parâmetros do semi-feudalismo em que o Brasil ainda estava mergulhado e trazia aspectos inovadores, tudo isto sedimentado pelo aprendizado escolar.
Uma peça importante da nossa socialização e aprendizado do modo de vida da cidade eram as grandes reuniões fora da rotina. Os comícios em tempo de eleição, as disputas de futebol entre times locais e dos municípios vizinhos, as diversas festas religiosas, as "missas campais" e "missas cantadas", entre as quais avultava a Missa do Galo, na noite de Natal.
Mas aquela que aglutinava todas as atenções, digamos assim, de gregos a troianos, de santos a profanos, era a festa de maio, Festa de Nossa Senhora do Rosário. Os camponeses e os fazendeiros estavam colhendo as suas safras, os garimpeiros de diamante e de ouro estavam com as guaiacas cheias e as profissões urbanas beneficiavam-se da opulência momentânea do lugar. Atualizando o dito, a festa de maio era o must, Iporá era o point.
Meditando, neste Natal, em toda esta dimensão, resolvi homenagear a festa de maio da cidade da minha infância.

      IPORÁ EM FESTA

No presépio do meu sagrado espaço
nove naves cintilantes revolvem sonhos
de traslados eternos e sedutores.
Não direi do futuro o que não saibas
nem do pretérito o que não queiras
e contestarás: do que nos vale 
um oráculo que o céu não descortina 
e nem desvela tudo quanto o mar encobre?
Numa data de maio sem retoque
senti saudade de mim mesmo e construí 
representações semióticas de um passado futurista,
sem fogueira, sem rojão, sem alvorada ou serenata.
Escondi, no baú dos alfarrábios, enigmáticos colóquios,
hipóteses latifundiárias, possibilidades enfiteutas,
paráfrases lindeiras, rápidos volteios, 
lépidos passos, tépidos torneios.
Relatei um farfalhar de sedas deslizando
em informal certame no entorno da igrejinha.
Não declamei, no entanto, o meu verso
no arraial das perdidas nem no portão das virgens.

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